quinta-feira, 23 de abril de 2009

SANGUE DE IRMANDADE - MAR.75



A estória e polêmica e eu pergunto. - Você se casaria com sua irmã?... pergunta boba, certamente que não.

Vivia o ano de 1955, eu com 14 e minha irmã com 15 anos de idade. Numa escura noite de outono ela havia chegado tarde em casa e estava nervosa, com seu tempestivo gênio explodindo pôr todos os cantos da casa até o momento de se jogar na cama.

Na casa onde vivíamos havia somente um quarto disponível para nós, que dividíamos a decoração numa mistura feminina de gosto e de um garoto escolar, as camas eram separadas pôr um criado-mudo que vivia entupido de bugiganga.

Taira desfazia a cama com sua fúria que estremecia o pinho se virando de um lado para outro, resmungando palavras desconexas num soluço intermitente. Eu, encostado na cama ao lado, lendo um livro de aventuras do Tarzan parei a leitura a fim de verificar o ocorrido com perguntas.

- há... Não enche tá...

- qualé mana, não quer desabafar?

-... Não sei, ninguém me entende, do jeito que vai as coisas vou entrar numa piração...

Eu quieto no meu lugar fitava-a a fim de descobrir a causa do seu aborrecimento, enquanto ela se ajeitava na cama, entre soluços desabafava...

- sabe duma coisa Julio, não é fácil achar um sujeito que você pode se ligar, dar tudo de si, ter uma participação mútua, as pessoas só querem o que e do seu interesse, e depois que conseguem seu intento começam a avacalhar tudo até chegar no ponto da saturação...

-brigou com seu namorado... , perguntei-lhe.

E sem responder virou-se para o lado contrário ao meu e voltou a chorar. Levantei-me e fui sentar ao seu lado acariciando seus cabelos finos, longos e negros como o destino, tudo o que se via naquela menina de outrora era arrependimento e solidão.

Dei-lhe um beijo na testa, como prova de respeito de um amigo que com partilhava de sua dor.

1961, seis anos se passaram deste episódio, ela nunca teve interesse pôr outro rapaz e a cada dia que se passava ela se fechava mais e mais na sua jaula natural do coração, transformando-se numa mulher linda e fria como gelo. Nossa relação no dia-dia nada tinha a ver em comum na vida de irmão para irmão... O tempo corria e uma mistura de sentimentos aflorava em nossos corações.

Desde os meus tempos de criança, acho que fui um recalcado, fechado num castelo de insegurança vivendo num mundo de preconceitos e irracionalidade, nunca me aproximei de alguma garota, dedicando minha atenção para compreender um mundo revoltado, inóspito e sem amor, sonhando com meu paraíso.

Domingo, uma tempestade de raios e ventos fazia o mês de Novembro inesquecível com as torrentes de águas e relâmpagos rasgando o escuro céu com rasgo de ira em retumbantes trovões num sem fim da tarde. Estávamos deitados e acobertados em nossas respectivas camas no silêncio da leitura, até que certos momentos olhos cansados colocaram o livro na cabeceira do criado-mudo sempre cheio de bugiganga, virei para o lado da Taira com o pensamento absorto, olhando e admirando aquela figura virando as páginas sem pressa, minhas ideias circulando pelo cérebro apontavam aquele ser como o único que entendia minha revolta.

Em silêncio me levantei e fui até sua cama me aconchegar no seu calor, encostando minhas pernas nas suas coxas comecei a alisar um aconchego de carinho. Espantada com meu jeito atrevido que acariciava seus cabelos, largou o livro no chão e começou e me olhar.

- qualé a sua...

- Taira, vamos conversar...

- sobre o que...

- vamos falar de nós, nossa vida, nosso sentimento...Todo esse tempo junto como irmão...

Sei lá...Como você esta?

- eu hein, que papo de aranha mais besta.

- Tô sentindo um corpo quente em baixo do cobertor, e pensar que saímos do mesmo ventre, esse tempo todo que passamos juntos, e eu com outros sentimentos de você que não é irmão... Será que você me entende.

Meu coração explodia de emoção, fitava aqueles olhos azuis espantados com ternura, da boca dela tremula somente ouvia o silêncio, foi uma longa pausa... Até que um beijo desfez nosso medo.

- Julio... Acho que sei o que está me tentando dizer, eu...

E vem um longo período de vacilo que chocava nossos olhos úmidos de lágrimas, e mais um beijo louco de amantes desenfreados acompanhou um abraço forte e carinhoso aproximando nossa paixão reprimida num castelo de sangue, de certos e errados, de loucuras.

Já fazia noite e a chuva castigando o vidro da janela e no quarto em penumbra de raios e trovões, entregávamos ao prazer desenfreado sem medir conseqüências, sem responsabilidade da vida. Dormi agarrado ao seu aconchego, ouvindo ela dizer:

- Não conseguia te dizer o que eu sentia pôr você, minha coragem se despedaçava com receio da sua zombaria, e seu riso mataria minha alma...

Meses e meses se passaram com este conceito de vida se fortalecendo num amor sincero, nossos pais não sabiam o que acontecia até porque viverem pôr imposição do trabalho a maior parte do tempo viagens intermináveis e pouco contato e conversavam com a gente. E a vida florescia em nossos corações alterando nosso comportamento, com partilhando juntos o mesmo mundo que agoura admirávamos de outra maneira, em nosso castelo de sangue e segredos.

Nossos pais acertaram um período de férias programado para que todos passássemos juntos em viagem até o litoral, os dias que se passaram foram estranhos no relacionamento familiar, até que no último dia do passeio encontravam-nos reunidos na sala jogando um passatempo, eu e a Taira procurávamos uma forma de comunicar a eles o que estava acontecendo.

- Puxa, pai nunca tivemos essa união de família, e tão gostoso ver o senhor conversando e brincando com a gente, a mãe contando suas piadas, a Taira e eu gostaríamos que o resto da vida continuasse na forma que estamos unidos e felizes.

- Nós também filho, o dia-dia, os compromissos fazem a gente correr de um lado para outro e nem se damos conta dos filhos já crescidos. Eu e sua mãe estamos arrependidas de não podermos acompanhar vocês, estarmos mais próximos, mas graças a Deus eu os vejo se entendendo tão bem e felizes.

Eu ficava nervoso para iniciar a conversa, fazia perguntas sobre relacionamento, casamento, sexo, e outras abobrinhas que passava na cabeça, a Taira ouvia quieta de olho pregado no jogo, até que me enchi de coragem, respirei fundo...

- Sabe pai, eu e a Taira nos adoramos muito, muito mesmo, mais do que irmão...

- Isso eu tenho visto com muito orgulho filho...

- he, pai, pra falar a verdade à gente se ama...

Acabou o passatempo, a Taira joga as cartas na mesa e vem me dar um abraço seguido de um beijo no rosto frente aos olhos admirados de nossos pais pasmados com a revelação. Nosso pai se levantou e foi se servir de uma bebida forte no bar da sala, nossa mãe estava paralisada e branca com o susto, com o copo cheio de licor nosso pai volta-se a se sentar na cadeira.

- Filho, vou contar uma coisa a vocês que eu deveria ter falado há muito tempo atrás, depois que você nasceu sua mãe teve um problema orgânico que impedia de termos mais um filho, e a vontade de formarmos um casal foi tanta que adotamos a Taira de uma mulher que nos procurou em casa e colocou o bebê nos braços de sua mãe e sumiu sem paradeiro, naquela época tínhamos poucos recursos, eu vivia apostando em loterias e numa semana de sorte consegui arrumar o dinheiro para que sua mãe fosse operada, mas oferecia perigo de gravidez, então comprei a casa em que moramos com o dinheiro que restou, registrei a Taira como filho legitimo e mantivemos segredo do assunto para toda a sociedade.

Às lágrimas convertiam dos olhos de Taira enquanto ouvia agora meu pai falar, logo após a declaração estávamos todos abraçados e chorando. Na manhã seguinte enquanto tomávamos o café, construíamos uma forma de realizar o casamento, numa cidade do interior onde ninguém conhecia a nossa história.

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